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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013


Após 5 anos, Ronda do Quarteirão frustra e não reduz os crimes

28.01.2013

Homicídios dolosos cresceram 33% entre 2011 e 2012, e os gastos com segurança passam de R$ 1,4 bilhão

O assassinato de Bruce Cristian, 2010, chocou a população Foto: Viviane Pinheiro
O tema violência está na boca da população. Não há quem não reclame da insegurança e, por consequência, da falta de proatividade de um dos mais famosos (e também polêmicos) programas, o Ronda do Quarteirão. Completando cinco anos de implantação em fevereiro de 2013, os questionamentos seguem: qual o futuro do Ronda e como ele pode ajudar na paz social?

O desafio é tamanho. Prova disso são as crescentes estatísticas. Segundo a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), os casos de homicídios dolosos (quando há intenção de matar) aumentaram, por exemplo, em 33% entre os anos de 2011 e 2012, passando de 2.667 para 3.571 assassinatos. Movimento bem semelhante são os gastos com segurança pública. Em 2011, a verba ficou em R$ 964 milhões (4,88% do orçamento) e, em 2012, passou para R$1,4 bilhão, 7,51% do total.

Desde o início, o programa foi alvo de críticas: ora pelo alto valor dos veículos "Hilux", ora pelo fardamento de luxo, curto tempo de formação e os tantos outros tropeços. Durante o primeiro ano, o programa correu às mil maravilhas: os carros circulavam por toda a Capital satisfazendo a população. Já a partir de 2009, acidentes começaram a ganhar destaque e gerar questionamentos. Ações desastrosas e crises se aprofundaram.

Denúncias corriam mundo à fora. Desgastes. Hoje, com o descontrole da violência, até o próprio comandante geral da Polícia Militar do Ceará (PM-CE), Coronel Werisleik Matias, assume as fragilidades e ressalta que ainda há muito o que enfrentar.

Fragilidades

Na tentativa de fortalecer os vínculos com a população, policiais participam de atividades recreativas e executam projetos socais Foto: Viviane Pinheiro
"Temos que avançar sim, principalmente no princípio basilar do Ronda, das visitas comunitárias. Esse aperfeiçoamento ainda não chegou no ponto que a gente espera por causa da própria população que é resistente ainda em colaborar", afirma o coronel.

Para ele, a parceria com a comunidade está cada vez mais complicada por conta do tráfico de drogas, por exemplo. A população teme passar informações e receber os policiais. Assim, a característica máxima - de aproximação - vai se perdendo. Prevalece, então, a ação ostensiva em detrimento à comunitária. "Muitos contestam o Ronda, mas triste hoje da cidade sem eles", afirma o coronel da PM.

Os principais desafios postos para 2013, segundo Werisleik Matias, são o aperfeiçoamento do projeto, a melhoria do treinamento e da capacidade de mediar os mil conflitos sociais.

Críticas

Durante os cincos anos, o grande desafio é conseguir confiança do povo. Com a crescente violência, reina mesmo a ´lei do silêncio´ FOTO: MIGUEL PORTELA (19/02/10)
A dona de casa, Fátima Lima, moradora do Lagamar, confessa não ter mais confiança no grupamento. Para ela, o programa se perdeu no tempo e no espaço. "Com a bandidagem profissional, não há Ronda que resolva. Eles não conseguem combater a violência, ficam só parados em frente às lanchonetes e metidos em encrencas", relata Fátima.

Para o policial Fernando (nome fictício), o momento deve ser de reformulação, de mudanças radicais. "O Ronda não deve ser mais o único programa de segurança. Cuidar da violência não é só repressão, mas sim garantia de direitos sociais e dignidade".
"A cada dia, o Ronda se afasta dos objetivos"
A novidade mexeu mesmo com toda a Capital. Toda hora aparecia, em 2008, aquela ´Hilux´ rondando pelo bairro. "Isso dava uma sensação boa de segurança. A gente até parecia rico com policial na porta nos protegendo", relata a costureira Maria José de Freitas, 67, moradora da Serrinha. Ela sente falta das viaturas do Ronda do Quarteirão, diz que agora, sem a presença tão ostensiva deles, a violência e o tráfico estão tomando conta de tudo.

E não é só ela que critica, com pesar, essa mudança do agrupamento. Para o atual coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), César Barreira, o Ronda está perdido, "a cada dia se afastando mais dos objetivos iniciais de polícia de aproximação". No primeiro momento, ainda em 2008, aumentou a sensação de segurança. Depois, foi se confundindo com os próprios agrupamentos ostensivos.

"Ronda deveria dar respostas ao grande investimento que o Estado fez. Isso não está acontecendo e quem perde mais é a população que deixa de ter uma polícia de proximidade, de proatividade e preventiva", conclui.

As potencialidades do Ronda (maior contato com a população e o caráter preventivo) estariam se dissipando e a culpa seria de diversas alterações nos comandos da Polícia Militar. "Mudaram gestores e pessoas que entraram no lugar não levaram em frente as ideias do início", diz.

Violência

Além de questões políticas, a rotina de violência crescente - na Capital e no Interior - também interferiu, avalia. Para o coordenador, o tráfico, por exemplo, acabou forçando grave mudança de perfil. Segundo ele, a população temerosa começou a fazer cobranças e a não querer mais uma "polícia tão amiguinha", queria uma forma mais agressiva. "Isso forçou a barra. Ao invés de levar a uma melhor política, levou a uma pior", critica.

Para Barreira, a criminalidade está cada vez mais complexa e tem exigido formação mais ampla. "Não podemos mais ter Ronda despreparado para lidar com problemas sociais", finaliza. Pesquisa feito pelo Governo em 2009 apontou que 83% dos entrevistados aprovavam a ação.
Objetivos iniciais do Ronda foram alcançados?
Glaucíria Mota
Coordenadora Mestrado Políticas Públicas da Uece

Como a senhora avalia a ação?
O Programa Ronda do Quarteirão, implantado em 2007, na primeira gestão do governador Cid Gomes, como novo modelo de policiamento ou "a polícia da boa vizinhança" por se propor a fazer uso de estratégias do policiamento comunitário, em que o exemplo são as atividades policiais de proximidade com a comunidade; tinha como principal finalidade conter a criminalidade e a violência e, ainda, melhorar imagem da polícia militar. Aqui, vale lembrar que essas atividades se operam mais pela prevenção do que repressão na proximidade com a comunidade. E, no caso do Ronda do Quarteirão, este objetivo não foi alcançado. Podemos dizer que um dos motivos foi o fato deste não ter conseguido executar de modo sistemático o básico do policiamento de proximidade com a comunidade para viabilizar a relação de cooperação entre esta e a população.

Quais as dificuldades em implantar uma polícia comunitária?
Há que se compreender que essas atividades se operam sistematicamente pela realização de visitas, reuniões (conversas formais e informais) em instituições públicas e privadas (residências, escolas, comércios, empresas, órgãos públicos, associações e conselhos de direitos e defesa etc.) por meio do contato direto dos policiais comunitários, no caso dos rondantes, o policiamento de proximidade com a população de modo geral. Como pesquisadora não me espanta o fracasso do "Ronda", mas me frustra, como cidadã principalmente, o fato deste ter se tornado "o mais do mesmo" na política estadual de segurança pública. Afinal, não mudamos uma estrutura de poder sem alterar suas relações de poder, uma vez que as polícias são estruturas arcaicas e corporativas resistentes a qualquer tipo de mudanças. Contudo, não é por isso que os governos devem lavar as mãos. Devem, sim, ter ousadia de reinventar o velho modelo das polícias brasileiras que fracassaram no enfrentamento da criminalidade e da violência. O aumento nos índices de homicídios no Ceará é o exemplo desse fracasso. Assim, como não ignoramos que alguns estados e municípios brasileiros reduziram esses índices de violência, mexendo nas estruturas de poder das suas polícias por meio de políticas públicas que operam de modo transdisciplinar o enfrentamento da problemática em tela.
Policiais auxiliam as comunidades
Em alguns bairros, a única representação do Estado é a polícia Foto: JL Rosa
O barulho da sirene e o cantar de pneus já denuncia: tem Ronda chegando na área. Muitos moradores até fecham as portas, outros curiosos correm para ver o que é. Os policiais Rodrigo Ferreira e Ronaldo Lima seguem em mais uma abordagem. A primeira de muitas no bairro mais pobre da Capital, Conjunto Palmeiras. Sentindo a adrenalina correr nas veias, a reportagem do Diário do Nordeste passou uma tarde acompanhando a rotina desse grupo. O ritmo é puxado, mas sobra um tempo para estreitar laços com a comunidade, conversar um pouco, tomar café. É o policial-amigo.

Uma palavra resume bem o trabalho do Ronda do Quarteirão: "somos um faz-tudo. Viramos referência e sempre conseguimos ajudar um ou outro", diz Rodrigo Ferreira. A crescente onda de violência, os conflitos sociais, tráfico, brigas de vizinho, som alto na rua, cachorro que foi atropelado. Enfim, tudo vira demanda do Ronda. "Recentemente, um amigo fez um parto. Vez ou outra aparece de ter mulher agredida. É muito comum a gente ajudar pessoas idosas, levar deficientes visuais até as paradas de ônibus. Até um jumento atropelado eu socorri um dia desses", afirma.

Mas, para o policial Ronaldo Lima, tudo fica bem claro quando se percebe que, em alguns lugares pobres, a única presença do Estado é o Ronda. "Não tem hospital, escola. Só tem a viatura circulando", diz.

Atenção redobrada
E o trabalho na comunidade exige realmente uma atenção redobrada. Enquanto estivemos com a equipe foram, pelo menos, quatro abordagens e uma série de quilômetros rodados. Entra em beco e sai em beco. "Não há um minuto de tranquilidade, em que a gente baixe a guarda", conta Ronaldo Lima. Questionado se, mesmo com essas precariedades, o trabalho lhe satisfaz, Rodrigo responde: "é o sentimento de dever cumprido que me faz continuar". E muitos são os projetos sociais que humanizam a tropa e geram solidariedade, entre eles o Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd) e a "Turminha do Ronda". A comunidade recebe os policiais em casa. Foram 122.347 visitas até agosto de 2012. (IG)
SAIBA MAIS
A Polícia Militar do Ceará, somente através do Ronda do Quarteirão, atendeu a mais de um milhão de ocorrências e apreendeu 1.683 armas em 2012, segundo a Secretaria de Segurança Pública

Entre as ocorrências atendidas pelo Ronda, segundo o setor, 323 foram relacionadas a apreensão de drogas, além de incluírem o número de apreensões de armas, considerado o maior do Estado

O Ronda do Quarteirão está presente hoje em 43 municípios do Ceará, com 254 áreas de cobertura. Toda a Capital e Região Metropolitana de Fortaleza são atendidas pelo Ronda.

O efetivo do Batalhão conta com 3.920 policiais militares que têm como principal filosofia no atendimento à população o policiamento comunitário

Novos 923 policiais militares estarão, até o Carnaval, reforçando os agrupamentos do Interior

O Ronda trabalha o Programa Educacional de Resistência às Drogas e a Violência (Proerd), que consiste em levar aos alunos de escolas públicas ações de combate às drogas
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Entre a luxúria e as mil precariedades
O Ronda do Quarteirão foi apresentado pelo governo do Estado do Ceará à população como a "polícia da boa vizinhança". O marketing político por trás das propagandas enfatizava as possíveis mudanças que a sofisticada infraestrutura de trabalho desta "nova polícia" traria.

A despeito do projeto oficial do programa Ronda do Quarteirão, no qual a atividade preventiva seria a principal norteadora, percebe-se que, na prática, houve uma inversão de prioridades: de uma polícia preventiva e interativa, temos hoje uma polícia, sobretudo, ostensiva e repressiva, com instruções voltadas para a intensificação de abordagens e o atendimento de ocorrências tanto na Capital como no Interior.

Prova disso é o fato de o Ronda do Quarteirão ser, geralmente, o primeiro acionado para atender diversas ocorrências, sejam elas de pequena ou grande complexidade.

Se, no início, tínhamos policiais do Ronda do Quarteirão satisfeitos com o status e o conforto proporcionados pelos novos fardamentos e viaturas, temos hoje grande parte deles insatisfeita, trabalhando com uma composição de apenas dois policiais por viatura, em uma escala de trabalho instável e exaustiva que, dentre outros empecilhos, dificulta a realização de outras atividades complementares.

Além de estarem submetidos a retaliações internas veladas por terem sido os principais protagonistas da paralisação dos militares ocorrida no fim de 2011 em todo o Ceará.

Em detrimento de tudo isso, busca-se, a qualquer custo, sustentar a visibilidade política do programa de policiamento do Ronda do Quarteirão "maquiando" uma realidade corriqueira para esses agentes de segurança e tão alheia à maioria de nós.

Letícia Araújo
Socióloga e Pesquisadora do LEV da UFC


IVNA GIRÃOREPÓRTER

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