João Rabelo
29/07/2013
"Vendedor vencedor"
Quando fez 60 anos, há quatro junhos, o
dono das lojas Rabelo ganhou dos filhos o livro Vendedor vencedor, que
sumariza a vida dele, do início em São Paulo à volta para Fortaleza
Começar, por vezes, não é fácil.
Para João Rabelo, o começo foi marcado pelo desafio. Um dos primeiros
deles foi a mudança para São Paulo. Afinal, décadas atrás, era o
sonho-clichê do nordestino que queria mais. Foi lá onde ele passou a
atuar na função de que se envaidece até hoje. Era vendedor. Na TV
Vitória, aprendeu a ganhar dinheiro com o dono português. Em seis meses,
era um dos melhores vendedores da loja. “Vendia mais do que todos os
outros vendedores juntos”, ele se orgulha.
A loja não
aguentou. O dono diminuiu a comissão de Rabelo e ainda lhe deu meses de
férias. Foi a deixa para ir em busca de algo próprio (e voltar tempos
depois para comprar a TV Vitória). E como a vida são recomeços, começou a
vender sozinho. Mas a mulher fazia as vezes de secretária. Atendia aos
telefonemas, anotava as mensagens. Na verdade, um truque para que não
pensassem que ele trabalhava só. E havia outro: quando passou a ter o
comércio próprio, os produtos eram poucos. Por isso, enchia as
prateleiras de caixas vazias. “Qualquer cliente gosta de entrar na loja e
ver a loja decorada, com bastante produto. Isso atrai muito”, ele
justifica.
Em uma das visitas a Fortaleza, Rabelo se encantou
com o crescimento da cidade. Quis voltar. Já havia os filhos, que o
acompanhavam à época. E recomeçou, de novo. Abriu a primeira loja no
Shopping Iguatemi, tomou gosto e hoje a Rabelo está em sete estados do
Nordeste. João Rabelo não cursou faculdade nem tem curso de
empreendedorismo, mas se considera um bom gestor. “Eu dou o exemplo”,
ele explica.
O empresário comerciante gosta de atender, gosta
de estar perto do público, gosta de gente. Por isso, prefere manter o
contato direto com os funcionários. Quer repassar o que aprendeu. Os
três filhos trabalham na empresa. E os netos parecem ser o xodó da vez. É
com eles que aproveita a praia no fim de semana, seu maior lazer, já
que o homem forte da Rabelo não tira férias. “O prazer que eu tenho em
ir à praia com o meu neto é o mesmo prazer que eu tenho em vir ao
escritório e trabalhar com a minha equipe”, ele compara.
Ao
dom, à vocação de saber vender, João Rabelo atribui tudo o que
conquistou até agora. Mas gosta de ser cearense e lembra como somos um
povo que não arrefece, que “não esmorece e procura vencer”, como o
saudoso Patativa não nos deixa esquecer.
O POVO - Por que o senhor mantém o escritório aqui no Centro?
João Rabelo -
Aqui é onde acontece tudo. E tem a facilidade para se locomover. Nós
temos 200 funcionários e eles moram em bairros distantes. E eu sempre
gostei de estar aqui.
OP - E agora, julho, não é mês de férias para o senhor?
Rabelo -
Eu não tiro férias. Nunca tirei. Minhas férias são no fim de semana,
sábado e domingo. Agora estou melhorando, porque estou folgando aos
domingos, mas, de primeiro, eu trabalhava até no domingo. Realmente
gosto. Acho que acostumei. A família sempre reclama, porque não dou
tempo pra mim. Mas eu vou ver se eu começo a folgar dia de sábado.
OP - E o que o senhor faz na folga?
Rabelo - Pego meus netinhos e vou à praia. Eu adoro praia.
OP - Há lado bom e lado ruim de colocar a família nos negócios?
Rabelo -
Sempre que você convive com pessoas tem um lado ruim, né? Mas, pra mim,
todos são bons. O que eu aprendi na minha vida eu passo pra eles. Eles
aprendem no dia a dia me tendo como gestor deles, mostrando a realidade
de como é conduzir uma empresa.
OP - Mas como o senhor diferencia o pai do gestor?
Rabelo -
É complicado, viu? Nós fizemos várias reuniões para eles não
confundirem o pai com o presidente da empresa. Sempre falo: “Na empresa,
não tenho vocês como filhos. Vocês são funcionários como qualquer outro
funcionário. Quando tiverem que levar uma bronca, vocês vão levar. Se
tiver que chamar atenção, eu vou chamar. Se vocês tiverem indo por uma
forma que não é correta, eu vou dizer o que é o certo. Vou mostrar como
conduz uma equipe, vou mostrar como é que trabalha em equipe”.
OP - Esse é o João Rabelo gestor?
Rabelo -
Eu sempre procuro o simples das coisas. Sou uma pessoa simples, sou uma
pessoa humilde. Todos os meus funcionários têm acesso direto a mim.
Isso facilita muito. Se eles têm um problema, eu faço questão de
entender qual o problema, dar alguma sugestão. Sou prático no que faço.
Um bom gestor tem que ter esse tipo de ação. Se precisar carregar uma
caixa aqui, eu pego, carrego sem problemas. Dou exemplo. Se tiver um
balde aqui no meio, pego o balde, digo “não deixem molhar”. Vou
ensinando, faço. Exemplo é muito importante.
OP - Como o senhor aprendeu esses ensinamentos de gestão, de empreendedorismo?
Rabelo -
Eu costumo dizer: Deus dá oportunidades iguais para todos nós. Eu
escolhi o comércio pra mim. Hoje em dia é empresário, mas naquela época
era comércio. Você tem que ser muito bom e ter algum dom, uma vocação.
Como tem jogador de futebol, cantor, médico, advogado que se destaca
mais. E, além disso, uma perseverança muito grande. Se quero conquistar
alguma coisa, eu vou buscar, doa a quem doer. Acho que isso aí já ajuda
muito. E tem também a faculdade da vida. Eu comecei a trabalhar muito
novo. Comecei com 12 anos e já tinha carteira assinada. Todos os dias é
uma aprendizagem. Até hoje, estou com 20 anos aqui em Fortaleza, mas
vivo de loja há mais de 38 anos. Com todo esse percurso eu aprendi
muito. E coloco em prática. É a minha forma de nunca ter mudado na vida.
Se você tiver me conhecido 40 anos atrás, eu sou a mesma pessoa. A
única coisa que vejo diferente em mim é a minha maturidade, minha
bagagem, minha experiência. Eu tenho uma coisa que pra mim é muito
importante: eu gosto muito do ser humano. Eu abraço o ser humano como se
fosse um parente, com respeito.
OP - Há alguém em quem o senhor tenha se inspirado, que considere um modelo?
Rabelo -
Lá em São Paulo eu me inspirava muito no (empresário) Ermírio de
Moraes. Muito mesmo. Mas uma história muito interessante que eu aprendi
foi a do meu segundo patrão, um português, da TV Vitória, que eu conheci
em São Paulo. Eu prestava muita atenção no que ele fazia. Ele tinha um
comércio muito bom, hotel, estacionamento, vários patrimônios... Um
homem desses não é qualquer um. A única coisa de que eu não gostava dele
era a forma muito rígida com que ele se comportava com as pessoas.
Chegava a maltratar as pessoas. Ele não era um líder. Eu tirei isso de
ruim que ele tinha. Mas ele era um bom comprador, um bom vendedor, sabia
como conseguia fazer pra vender.
OP - O senhor aproveitou tanto que virou um bom vendedor lá.
Rabelo -
Eu virei um dos melhores vendedores em questão de seis meses. Vendia
metade, mais do que todos os outros vendedores juntos. E depois, nos
meus negócios também, eu cheguei a pensar: “O que esse homem tem de
mais? Um homem desses conseguiu tudo isso. Eu tenho toda essa
experiência. Se eu colocar isso em prática, vou ser um excelente
empresário.”
OP - Mas foi ele quem diminuiu sua comissão na época.
Rabelo -
Se ele não tivesse diminuído, eu não tinha saído de lá. Lá no Brás,
quando eu tive sucesso e comprei a loja dele, eu o convidei pra jantar e
fiz questão de pagar. Foi em intuito de agradecimento. Se ele não
tivesse baixado aquela comissão, até hoje acho que eu seria um
comissionado... Se bem que acho que não, porque eu saí daqui com o
intuito de ser alguém na vida. Tinha meus projetos, mas ele me deu um
empurrão. E nesse dia do jantar, ele disse pra mim, chorando: “Rapaz,
todas as pessoas que saíram da minha empresa me colocaram na justiça e
você vem aqui me agradecer”. Eu disse: “Aprendi muita coisa com o
senhor, ganhei dinheiro... Como é que eu ia botar o senhor na justiça?”.
OP - O senhor é uma pessoa de fé? Pratica alguma religião?
Rabelo -
Sou católico, mas não sou praticante. Faço minhas orações e agradeço a
Deus por ele ter me feito esse homem. Minha esposa é praticante, ela
reza muito. Minha mãe também é muito católica. Acho que outras pessoas
rezando por você parece que dá até mais força, viu? Mas eu agradeço
todos os dias pelos meus filhos, pela minha família, pelos meus
negócios. Peço que Deus dê proteção para os nossos negócios, que me
conduza da melhor forma possível.
OP - Quando o senhor percebeu que o negócio daria certo?
Rabelo -
Quando eu fui pra São Paulo. Foi quando eu estava trabalhando nessa
loja do português, eu prestei atenção e pensei: “Esse homem não tem nada
de diferente de mim. Ele saiu lá de Portugal, de Borba. (Eu tive
oportunidade de conhecer Borba, é uma cidade bem atrasada comparada com
Fortaleza.) E ele chega lá em São Paulo e tem sucesso, por que comigo
não ia dar?” E o cearense tem uma vantagem, o cearense é conhecido como o
judeu brasileiro. Todos os cearenses têm uma capacidade empresarial
fora de série. Por isso eu fiquei muito feliz quando recebi, como
empresário, o Troféu Iracema. Porque ali foi um troféu, uma felicidade,
pelo que eu plantei minha vida inteira: ser reconhecido pelo povo
cearense. Se eu fosse reconhecido lá em São Paulo, talvez não tivesse o
mesmo valor pra mim que teve aqui.
OP - Mas por que o senhor quis voltar para Fortaleza?
Rabelo -
O ponto decisivo foi o seguinte: eu vendia no atacado. Como houve o
Plano Cruzado, eu tive muito prejuízo. Perdi muito dinheiro porque eu
vendia muito. Aí eu falei: “Vou pro varejo”. É melhor perder uma
televisão que você vende a crediário do que você vender 50 TVs e perder
50 TVs. Aí, comecei a trabalhar no varejo. Foi quando eu tirei umas
férias aqui, em 1992. Passamos 10 dias aqui com a família. O meu filho
Fábio quis ficar aqui e eu tive que arrumar um negócio para ele. Por
coincidência, naquele plano de expansão do Iguatemi, estavam vendendo
loja.
OP - Como estava a situação de vocês em São Paulo?
Rabelo -
A gente já tinha 10 lojas em São Paulo, já estávamos muito bem
estabelecidos lá. Abrimos a loja aqui. Aí, eu fiquei em ponte aérea
direto. Teve um dia em que eu pensei: “Ah, vou acabar com isso. Vou
ficar com minhas lojas de São Paulo”. Mas antes disso, eu vi muito
movimento. Foi aí que eu comecei a entender como Fortaleza tinha se
desenvolvido, crescido, como o comércio daqui estava forte. Fui dar uma
volta no Centro. Quando eu vi o movimento, a confusão, e nem era dia de
pagamento, eu pensei: “Aqui o comércio tá muito bom. Não vou fechar
minha loja, não, vou abrir mais lojas”. Procurei aquele ponto do Romcy,
fechei negócio e deu certo. Comecei a abrir lojas no Centro. O negócio
aqui estava tão bom que eu não queria mais voltar pra São Paulo. Comecei
a fechar minhas lojas de lá. Em 95, minha esposa decidiu vir morar
aqui, porque eu estava vindo muito pra cá e ela não queria me deixar
sozinho. Foi quando a gente começou a fechar de vez as lojas de lá. Aí,
começou o sucesso aqui.
OP - É verdade que o senhor usava caixas vazias para chamar mais clientes?
Rabelo -
Eu juro pra você que eu nunca pensei na vida que caixa vazia fazia
tanto sucesso. (risos) Você imagina montar uma loja no Brás, que já é
complicado, iniciar sua vida no mercado com pouca mercadoria? O pouco de
mercadoria que tinha não dava pra nada. E qualquer cliente é desse
jeito: gosta de entrar na loja e ver a loja decorada, com bastante
produto, bastante mix. Atrai muito. A maioria dos consumidores vai
passear sem estar pensando em nada, mas acha uma loja bem arrumada, bem
decorada, ventilada, com um bom atendimento e acaba comprando. E naquela
época, era loja cheia. Como é que a pessoa ia entrar na minha loja se
não tinha produto? Era bem pouquinho produto. Eu tinha pouco produto de
cada. Era uns cinco rádios, umas bicicletas, uma TV preta e branca... O
que eu ia fazer? Aí eu pegava as caixas vazias e enchia as prateleiras.
Parecia um monte de produto. As pessoas pensavam: “Nossa, que loja
sortida é essa?”. Mas era só caixa vazia. E assim fiz muito sucesso.
Comecei a vender bem e a loja já não tinha mais era espaço. Tive que
comprar a loja do lado e, depois daí, graças a Deus, foi só crescimento.
OP - O que o cearense gosta de comprar?
Rabelo -
Quando nós chegamos aqui, o cearense gostava muito de som. O que eu
vendia de som aqui era uma loucura. Quando a Rabelo começou aqui, era
“Rabelo - Som e Imagem”. Hoje ainda sou um grande vendedor de som e
ainda vendo muita TV, mas hoje a linha branca, que é geladeira,
tanquinho, está aumentando. A participação hoje é 34% de linha branca e
36% de linha marrom, que é TV e som. No Dia das Mães, muda.
OP - Dos lugares que visitou, de qual o senhor mais gostou?
Rabelo -
Conheço o mundo inteiro. Mas não foi com os meus recursos, foi a
convite de indústrias para conhecer as fábricas delas. Por exemplo, a
Philips me levou pra Holanda. Fui conhecer fábricas em Las Vegas, em
Cingapura, em Bangkok. Agora, tenho uma viagem marcada pra China, pra
Dubai, pra conhecer as fábricas. Quando eu faço uma viagem dessas,
conheço todos os empresários do Brasil. Todos eles têm algo diferente a
dizer. Sempre a gente traz algo de diferente. Hoje eu já não viajo
tanto, quem viaja muito é o meu filho, o Adriano. Sou alucinado mesmo é
pelo nosso país, apesar dos problemas. Não admito ninguém falando mal do
meu país. Se hoje eu tiver que passear, eu gosto de passear dentro do
meu país. Se você me chamar pra qualquer lugar do nosso país, eu vou.
OP - Qual o lugar que encanta o senhor aqui no Brasil?
Rabelo - O meu Ceará. Eu adoro isso aqui. Para qualquer lugar daqui eu vou.
OP - O senhor tem medo do quê?
Rabelo - Do castigo de Deus. Castigo de Deus é perigoso. Se você fizer mal pra alguém aqui, você pode pagar caro.
OP - O senhor pensa em parar de trabalhar?
Rabelo -
De jeito nenhum. Só quando Deus me levar. Isso aqui é minha vida. Desde
os 12 anos eu trabalho. Isso aqui, pra mim, é tudo. Eu adoro o meu
trabalho. O trabalho vem em primeiro lugar, é fundamental. O prazer que
eu tenho em ir à praia com o meu neto é o mesmo prazer que eu tenho em
vir pro escritório e trabalhar com a minha equipe. É um lazer. A gente
não vence só com trabalho, precisa de um pouco de perseverança e
acreditar no que você quer, mas o trabalho é fundamental.
OP - Mas o senhor já começou a preparar seus filhos para assumir seu lugar?
Rabelo -
É perda de tempo você não começar a preparar logo seus filhos para um
desafio grande como esse. Quando eu estava no Brás, meus filhos ficavam
junto comigo dentro da loja, me vendo trabalhando. O mesmo prazer que eu
tenho de ir para as lojas eu passei para os meus filhos. Meu filho
Adriano está todos os dias aqui. Ele aprendeu muito nesse tempo. Tenho
certeza de que, um dia, ele vai tocar isso aqui muito bem.
OP - Se o senhor fosse escrever um livro sobre a sua vida, qual seria o título?
Rabelo -
Eu tenho um livro. Ganhei, de surpresa, no meu aniversário de 60 anos.
Meus filhos se juntaram e me deram de presente. Eu continuaria com o
título que eles me deram: Vendedor vencedor. Eu me considero um tremendo
vendedor.