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segunda-feira, 13 de maio de 2013

fábio campos 12/05/2013

Insegurança: mais do mesmo


O anúncio de quase R$ 70 milhões para a segurança pública não foi feito pelo governador e nem pelo secretário que responde pelo setor. A informação chegou às redações através de uma burocrática nota da assessoria de imprensa do Governo.

Em resumo, os recursos serão destinados para a compra de mais equipamentos (carros e motos), um futuro concurso para contratar policiais civis, compra e instalação de câmeras para monitorar ruas, estruturação das unidades da PM e Bombeiros
no Pecém e compra de equipamentos para a Polícia Forense.


Ou seja: mais do mesmo. É apenas o reforço financeiro para um projeto que já se mostrou fracassado. Não foi à toa o anúncio burocrático. Sabemos bem que são medidas longe de proporcionar o alcance que ansiosamente esperamos. Fica patente que o Governo não tem mais o que oferecer nessa área.


Os investimentos só teriam o efeito desejado se estivessem no âmbito de um novo projeto de segurança pública. Um projeto que reproduzisse aqui experiências que obtiveram sucesso no combate à violência. O resto é amadorismo.

Nessa área, não há o que inventar, mas sim o que copiar considerando, é claro, as realidades locais. Invencionices, políticas baseadas no instinto e improvisações em um setor tão delicado custam os olhos da cara do contribuinte e costumam dar errado, como já vimos.

A ESTATÍSTICA É CIÊNCIA

E vamos, é claro, citar mais experiências de sucesso. Tive o cuidado de ler os relatórios de crimes que a Secretaria da Segurança do Ceará disponibiliza em seu site. Percebe-se que tudo é meticulosamente feito para desestimular as consultas e fugir da transparência.

Quem conhece muito bem essa linha é o ex-policial e hoje consultor de segurança, William Bratton. Foi o homem que liderou as políticas de segurança que tornaram Nova Iorque uma cidade civilizada. Pois foi o uso estratégico de informações criminais o alicerce da política de Bratton.

Bratton percebeu isso ainda no começo da carreira, em Boston, quando seu colega do Departamento de Trânsito, Jack Maple, reduziu em 27% os crimes no metrô ao pontuar com alfinetes coloridos em um mapa de papel a geografia das ocorrências. Isso permitiu rastrear a ação dos criminosos e se antecipar a eles. Chega a ser simplório.

Aqui, a coisa funciona assim: quando o comando da segurança percebe (geralmente após uma enxurrada de reclamações) que uma determinada esquina abriga crimes em sequência, desloca-se uma dupla de policiais militares para lá. E o que acontece? Ora, os criminosos migram pra outra esquina.

Mais tarde, já como chefe da polícia de Nova Iorque, Bratton implantou um sistema mais sofisticado do que aquele mapinha de Boston. O sistema foi batizado de CompStat (Estatísticas Comparativas, na abreviação em inglês).


Funciona assim: um único banco de dados contém todas as informações sobre ocorrências, localização, data, hora, roupa usada pelo criminoso, número de disparos, armas usadas (mesmo por policiais), abordagem, perfil do bandido e da vítima, forma de atendimento, apreensões e prisões feitas, entre outros dados colhidos no local do crime e nos depoimentos. Tudo atualizado com informações de casos posteriormente relacionados.

Aí, sobra-nos a pergunta: a polícia cearense trabalha com estatísticos, monitora os dados e age estrategicamente? A propósito: Bratton vende seus serviços de consultoria.

SOB PRESSÃO, UM RISCO

Diante da crescente insatisfação popular causada pelos impressionantes índices de violência, está claro que tanto o Governo quanto os responsáveis pela segurança pública estão sob grande pressão. Há um risco embutido. O pior dos mundos é a pressão gerar respostas erradas por parte do aparato Mais uma vez recorro ao consultor brasileiro José Vicente da Silva Filho: “(Buscando melhorar os resultados) adotam, sem diagnóstico e sem avaliação de impacto, o ativismo desenfreado - que alguns autores de mudança organizacional denominam activity trap - com maior centralização das atividades operacionais, aplicação intensiva de amplas e espalhafatosas operações e incremento de atividades táticas repressivas que frequentemente descambam para o arbítrio. Essas estratégias improvisadas são inúteis e perniciosas: gastam recursos, desgastam as atividades de prevenção, não evitam o crescimento da violência e agravam a violência policial.

O POPULISMO

Vejam outro trecho de um estudo de José Vicente e percebam a forte relação com o que acontece hoje no Ceará: “A violência intensa e continuada tende a difundir na população uma sensação de desproteção e fragilidade, com crescente descrédito na capacidade do estado em controlar a criminalidade. A atitude decorrente é considerar anacrônica, ingênua e inoportuna a invocação de direitos - principalmente dos ‘bandidos’ - e a clamar por mais medidas coercitivas do estado. Essa situação favorece discursos e políticas populistas de ênfase a instrumentos e ações repressivas para conter a violência, e costumam encontrar entusiasmada repercussão em áreas influentes do aparato policial que veem na repressão a principal arma preventiva. Nessas condições, quando se declara a ‘guerra contra o crime’ o estado passa a ser mais um fornecedor de violência, ao invés de controlá-la”. Perfeito.

UMA CANETADA

Há uma maneira fácil e prática para, sem a necessidade de concurso, aumentar significativamente o efetivo da Polícia Militar no combate ao crime. Basta extinguir órgãos e práticas que drenam recursos da segurança, dependem da mão de obra de policiais militares, mas não possuem nenhuma relação com a atividade fim da polícia. É o caso da Casa Militar, um órgão que deveria ser exclusivo da Presidência da República. Há muitas outras estruturas com mão de obra policial militar: hospitais militares, capelães, assistência em tribunais, Assembleia Legislativa e, agora, até a Prefeitura de Fortaleza. Há policiais transformados em sentinelas e guardas de honra para resguardar a “estética militar”, policiais cozinheiros, garçons e enfermeiros e policiais femininas em salas de recepção ou recheando a máquina burocrática da própria estrutura militar. Há também muitos PMs cedidos a políticos. No caso da Polícia Civil, há centenas de policiais atuando como escriturários e como carcereiro de delegacias. Todas as funções listadas poderiam ser realizadas por servidores públicos civis.


"É apenas o reforço financeiro para um projeto que já se mostrou fracassado. Não foi à toa o anúncio burocrático"

"Os investimentos só teriam o efeito desejado se estivessem

no âmbito de um novo projeto de segurança pública. O resto é amadorismo"

"Essas estratégias improvisadas são inúteis e perniciosas: gastam recursos... não evitam o crescimento da violência e agravam a violência policial"

Fonte: O Povo

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